De dentro para fora e de fora para dentro
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
Um encontro do interior e do exterior, da cidade e do indivíduo, tudo mesclado numa explosão poética, entra em cena em 'Ulisses - Dançando para Adiar', que a Cia Estrela D'Alva apresenta no Sesc Santo André. A exibição integra o projeto ABCena, que lança olhar para a arte de grupos e artistas da região.
A adaptação do clássico 'Ulysses', de James Joyce, conta a
história de um dia da vida do irlandês Leopold Bloom. A dramaturgia assinada
por Lucienne Guedes e Márcio Castro é centrada na relação entre o protagonista
e sua mulher Molly.
Bloom, em um feriado, sai de casa sem destino certo. O que
ele espera é adiar o reencontro com a parceira. "Quando ele sai à rua,
carrega consigo a mulher que deixou e a possibilidade de ela ter ficado com o
amante e a de ser apenas mais um homem na vida dela. É como se ele se desse o
direito de perambular antes de entrar em contato com a iminência de encontrar a
mulher com o amante. É aí que ele passa por fluxo de pensamento, sensações,
perguntas, vislumbres e encontros furtivos com personagens da cidade",
conta Lucienne.
Transitando por Dublin, entre digressões e reflexões, ele se
deixa contaminar pela vida que pulsa na cidade. Por seus personagens, por sua
arquitetura e por seus elementos naturais, sem jamais deixar de esquecer Molly.
"Por todas as estações em que ele passa, que são semelhantes às da
'Odisséia' de Homero, a mulher se faz presente. Isso a gente faz acontecer na
montagem com a presença espectral, fantasmagórica de Molly."
Itinerante, a montagem convida o público a circular e a
entrar na casa de Bloom ao lado dele. O objetivo e o subjetivo da cidade em
contato com o ser humano criam a poética do espetáculo. "Ao confrontar o
que está fora de si ele altera seu estado. O que acontece na cidade o contamina
e isso se transforma em uma poética muito potente", acredita Lucienne.
ADAPTAÇÃO
Lucienne, que deu aulas e coordenou a Escola Livre de Teatro
de Santo André, conta que adaptação do clássico - que é de difícil leitura e
alta complexidade - instigou-a em determinados pontos: a concentração do tempo
na narrativa e o uso da palavra, que se transforma durante as centenas de
páginas em vários tipos de poética e narrativa.
Outro fator foi a comparação à 'Odisséia', mas é um ponto
que ficou relegado conforme foi andando o projeto. "Percebemos que era
muito menos interessante o confronto do que o ato de se deparar com a obra de
Joyce toda. Era preciso encarar 'Ulysses' e olhar para ele como uma coisa
inteira."
Para a dramaturga, as várias camadas com que a obra pode ser
lida ao ser transposta para o teatro representaram mais dificuldade do que o
tamanho do livro. "Temos a literatura como uma única camada de contato com
o leitor. Quando vai para o teatro, são várias outras: o ator com seu tipo
físico, a questão vocal, o cenário, a luz, a trilha sonora, todas questões que
são apenas sugeridas no texto... Isso faz com que as nossa responsabilidade
aumente", diz ela.
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